Pergunta - Você é a favor dessa data do dia 20 de Novembro, Consciência Negra, que é feriado em Jundiaí?
Paulo Malerba - Sim, sou totalmente
favorável. A data traz à memória a vida e luta de Zumbi dos Palmares, liderança da
resistência negra no contexto da escravidão, em defesa de seu povo. Concordo com seus propósitos, a
exaltação da diversidade humana, a valorização da cultura e dos costumes negros
e a reflexão e discussão sobre os desafios para vencer a discriminação racial
em todas as esferas da vida.
Pergunta
- Não deveria existir o “dia dos brancos” ou de outras raças? Ao ao criar uma data apenas para os negros isso não
traz mais problemas, sendo injusta com as outras raças?
Paulo Malerba - A data exalta a
diversidade, valoriza a raça e a cultura negra. Historicamente os negros são discriminados
no Brasil, num processo que encontra suas origens na escravidão e nas teorias
do racismo científico do século XIX. Isso resultou em um quadro de preconceito,
desvalorização e de diminuição da importância dos negros. Algo que perdura nos
dias atuais. O mesmo não se verifica com os brancos, que não sofrem preconceito
em razão de sua raça. Existem preconceitos contra brancos sim, mas não
vinculados à questão racial. Poderia citar a discriminação que muitos brancos
sofrem em virtude de sua classe social, por serem pobres; ou que as mulheres
são vítimas; ou que os homossexuais enfrentam. Elas estão ligadas a outras temáticas,
que também são fundamentais e tem sido debatidas no país. A discriminação
racial está fortemente ligada aos negros, por isso a importância dessa data, que
reafirma as diferenças humanas e ao mesmo tempo cobrar a igualdade. Diferenças
não podem implicar em desigualdades.
Pergunta
- Mas existe mesmo raça? Não seríamos todos da raça humana? Pesquisas mostram
que geneticamente não existe raça, pois as pessoas possuem genes variados, uma
pessoa negra pode possuir uma ancestralidade europeia significativa e um branco
uma ancestralidade genética africana significativa.
Paulo Malerba - Do ponto de vista
biológico somos da espécie humana, os Homo Sapiens. As raças são diferenciações
no interior de uma espécie. Porém, a discussão que se coloca não é biológica ou
genética, ela é social. Nesse sentido raça se aproxima do conceito de etnia.
Notadamente a humanidade possui particularidades e diferenças sociais e culturais,
como linguagem, religiões, hábitos, alimentação, vestimenta, etc. além disso
possuem características físicas diferentes. É possível observar visualmente diferenças
entre um descendente de japoneses e um descendente de negros africanos.
A discriminação que temos observado
ocorre pois essas diferenças culturais e físicas tem sido levadas em conta no
convívio em sociedade, valorizadas ou desvalorizadas por razões
sócio-históricas. Duas dessas razões sócio-históricas são a escravidão no
Brasil e as teorias racistas do século XIX. Por exemplo, muitas igrejas
evangélicas depreciam a religião e a cultura africana vinculando-as ao “Mal”,
como se fossem negativas. Isso é uma discriminação. Os negros tem mais
dificuldades em conseguir emprego, tem menores salários, mais dificuldades em
ascender na carreira. Há uma legislação anti-racismo e não é à toa, muitas
foram as atitudes racistas contra negros em empresas, escolas, ônibus,
elevadores, etc. que precisaram de legislação para puní-las e evitá-las. Para
isso os agressores não verificaram a carga genética do negro, mas observaram
suas características físicas, a cor de sua pele, o seu cabelo, ou mesmo hábitos
culturais.
Pergunta
- Ao se falar tanto em raça, não estaríamos dividindo as pessoas? Não seria
melhor falar menos em divisão e mais em união entre as pessoas?
Paulo Malerba - A questão do
racismo e da segregação está colocada no cotidiano do Brasil e não foram os
negros que a colocaram. Eles foram e são vítimas desse processo.
A consciência negra fala em diversidade
e isso também significa união. Significa dizer que somos diferentes, possuímos
características e culturas diferentes, todavia somos seres humanos, iguais em
valor e direitos. O problema é que na realidade diária existe uma divisão. Há
igualdade na formalidade da teoria, mas na prática ela não se realiza. A população,
a cultura e a história negra são valorizadas nessa data, pois é ela que tem
sido discriminada na história do Brasil.
Pergunta - A questão social não
seria mais determinante para a desigualdade das pessoas negras do que a questão
racial? Isso é, a maioria dos negros estão nas camadas mais pobres, devido a um
legado da escravidão, essa não seria a maior discriminação e que deveria ser
combatida?
Paulo Malerba - Acredito que há um
arranjo para a desigualdade. Explico. As pessoas podem sofrer com a discriminação
na sociedade por mais de um motivo. Como eu disse, elas podem sofrer por serem
negras, ou serem pobres ou serem mulheres ou homossexuais, etc., ou ainda fazer
parte de todos esses grupos ao mesmo tempo. Por exemplo, de acordo com os levantamentos do
Censo 2010, uma mulher negra recebe um salário menor que um homem negro. Essa é
uma questão de gênero. Mas ela também recebe menor que uma mulher branca. Essa
é uma questão de raça. O mapa da diversidade dos funcionários do setor bancário
a que tive acesso mostra essa mesma tendência. Há desigualdades de diferentes
ordens e interconectadas.
Portanto, considero que a questão
social é um importante determinante, mas não é o único, a raça tem um papel
significativo. Os pobres negros são mais discriminados que os pobres brancos. Portanto,
precisamos enfrentar e combater as discriminações em todas as suas formas.