terça-feira, 20 de novembro de 2012

Entrevista com Paulo Malerba sobre o Dia da Consciência Negra

Nessa entrevista Paulo Malerba responde questões que comumente são feitas em relação ao dia da Consciência Negra.


Pergunta - Você é a favor dessa data do dia 20 de Novembro, Consciência Negra, que é feriado em Jundiaí?

Paulo Malerba - Sim, sou totalmente favorável. A data traz à memória a vida e luta de Zumbi dos Palmares, liderança da resistência negra no contexto da escravidão, em defesa de seu povo. Concordo com seus propósitos, a exaltação da diversidade humana, a valorização da cultura e dos costumes negros e a reflexão e discussão sobre os desafios para vencer a discriminação racial em todas as esferas da vida.

Pergunta - Não deveria existir o “dia dos brancos” ou de outras raças? Ao  ao criar uma data apenas para os negros isso não traz mais problemas, sendo injusta com as outras raças?

Paulo Malerba - A data exalta a diversidade, valoriza a raça e a cultura negra. Historicamente os negros são discriminados no Brasil, num processo que encontra suas origens na escravidão e nas teorias do racismo científico do século XIX. Isso resultou em um quadro de preconceito, desvalorização e de diminuição da importância dos negros. Algo que perdura nos dias atuais. O mesmo não se verifica com os brancos, que não sofrem preconceito em razão de sua raça. Existem preconceitos contra brancos sim, mas não vinculados à questão racial. Poderia citar a discriminação que muitos brancos sofrem em virtude de sua classe social, por serem pobres; ou que as mulheres são vítimas; ou que os homossexuais enfrentam. Elas estão ligadas a outras temáticas, que também são fundamentais e tem sido debatidas no país. A discriminação racial está fortemente ligada aos negros, por isso a importância dessa data, que reafirma as diferenças humanas e ao mesmo tempo cobrar a igualdade. Diferenças não podem implicar em desigualdades.

Pergunta - Mas existe mesmo raça? Não seríamos todos da raça humana? Pesquisas mostram que geneticamente não existe raça, pois as pessoas possuem genes variados, uma pessoa negra pode possuir uma ancestralidade europeia significativa e um branco uma ancestralidade genética africana significativa.  

Paulo Malerba - Do ponto de vista biológico somos da espécie humana, os Homo Sapiens. As raças são diferenciações no interior de uma espécie. Porém, a discussão que se coloca não é biológica ou genética, ela é social. Nesse sentido raça se aproxima do conceito de etnia. Notadamente a humanidade possui particularidades e diferenças sociais e culturais, como linguagem, religiões, hábitos, alimentação, vestimenta, etc. além disso possuem características físicas diferentes. É possível observar visualmente diferenças entre um descendente de japoneses e um descendente de negros africanos.
A discriminação que temos observado ocorre pois essas diferenças culturais e físicas tem sido levadas em conta no convívio em sociedade, valorizadas ou desvalorizadas por razões sócio-históricas. Duas dessas razões sócio-históricas são a escravidão no Brasil e as teorias racistas do século XIX. Por exemplo, muitas igrejas evangélicas depreciam a religião e a cultura africana vinculando-as ao “Mal”, como se fossem negativas. Isso é uma discriminação. Os negros tem mais dificuldades em conseguir emprego, tem menores salários, mais dificuldades em ascender na carreira. Há uma legislação anti-racismo e não é à toa, muitas foram as atitudes racistas contra negros em empresas, escolas, ônibus, elevadores, etc. que precisaram de legislação para puní-las e evitá-las. Para isso os agressores não verificaram a carga genética do negro, mas observaram suas características físicas, a cor de sua pele, o seu cabelo, ou mesmo hábitos culturais.         

Pergunta - Ao se falar tanto em raça, não estaríamos dividindo as pessoas? Não seria melhor falar menos em divisão e mais em união entre as pessoas?

Paulo Malerba - A questão do racismo e da segregação está colocada no cotidiano do Brasil e não foram os negros que a colocaram. Eles foram e são vítimas desse processo.
A consciência negra fala em diversidade e isso também significa união. Significa dizer que somos diferentes, possuímos características e culturas diferentes, todavia somos seres humanos, iguais em valor e direitos. O problema é que na realidade diária existe uma divisão. Há igualdade na formalidade da teoria, mas na prática ela não se realiza. A população, a cultura e a história negra são valorizadas nessa data, pois é ela que tem sido discriminada na história do Brasil.  

Pergunta - A questão social não seria mais determinante para a desigualdade das pessoas negras do que a questão racial? Isso é, a maioria dos negros estão nas camadas mais pobres, devido a um legado da escravidão, essa não seria a maior discriminação e que deveria ser combatida?

Paulo Malerba - Acredito que há um arranjo para a desigualdade. Explico. As pessoas podem sofrer com a discriminação na sociedade por mais de um motivo. Como eu disse, elas podem sofrer por serem negras, ou serem pobres ou serem mulheres ou homossexuais, etc., ou ainda fazer parte de todos esses grupos ao mesmo tempo.  Por exemplo, de acordo com os levantamentos do Censo 2010, uma mulher negra recebe um salário menor que um homem negro. Essa é uma questão de gênero. Mas ela também recebe menor que uma mulher branca. Essa é uma questão de raça. O mapa da diversidade dos funcionários do setor bancário a que tive acesso mostra essa mesma tendência. Há desigualdades de diferentes ordens e interconectadas.
Portanto, considero que a questão social é um importante determinante, mas não é o único, a raça tem um papel significativo. Os pobres negros são mais discriminados que os pobres brancos. Portanto, precisamos enfrentar e combater as discriminações em todas as suas formas.   


Um comentário:

... disse...

Boa entrevista.
Bons esclarecimentos, muitas pessoas fazer esses questionamentos no dia dia.

Abs
Edicarlos