terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Afinal, o que são direitos humanos?

Por Paulo Malerba


Nas últimas semanas algumas falas que já se ouvem eventualmente, em rodas de conversas entre amigos e comentários na internet, se potencializaram com a vingança realizada no Rio de Janeiro por moradores contra um rapaz menor de idade que estaria cometendo crimes nas redondezas. Dentre os argumentos mais utilizados para criticar a noção de direitos humanos, estão afirmações de que estes “defenderiam apenas os bandidos” e declarações de que “direitos humanos são para humanos direitos”. Isto suscitou a ideia de escrever este artigo e buscar a reflexão, não sobre o fato em si, mas sobre o lugar dos direitos humanos em nossa sociedade.


Os direitos humanos, assim como conhecemos atualmente, referem-se ao reconhecimento formal de que todos os homens nascem iguais e possuem um conjunto de garantias fundamentais que são inerentes à sua condição humana, independente da vontade de outros. São direitos extensivos a todos e a cada ser humano que nascer. O instrumento pelo qual foram viabilizados mundialmente é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, no período pós-guerra. A ideia de direitos humanos já existia anteriormente, de diferentes formas, tendo surgido com maior proeminência na idade moderna com os jusnaturalistas e também presentes na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

A Declaração da ONU é decorrência dos eventos da segunda guerra mundial e das atrocidades do regime nazista alemão, em especial. Milhões de civis foram brutalmente perseguidos e assassinados por razões étnicas, religiosas, políticas, econômicas e culturais. Foram-lhes negadas quaisquer garantias fundamentais, como seres humanos, inclusive a mais básica, o direito à vida. Estes fatos reforçaram a percepção global sobre o tema, de se construir a noção de direitos humanos universais, extensíveis a todo ser humano no planeta, independente do governante, dos poderosos ou da ideologia do momento, que, sob nenhuma justificativa, poderiam atacar tais direitos.



Esta Declaração versa sobre diversos direitos humanos, o direito à vida, à liberdade, à nacionalidade, à dignidade, ao trabalho decente, a não sofrer tortura ou tratamento degradante, direitos políticos, à propriedade, ao casamento (!), entre outros. Por exemplo, colocar alguém em situação de escravidão é uma violação dos direitos humanos, tratar uma pessoa como mercadoria e não como um ser humano é outra forma de violação. O principal responsável pela efetivação destes direitos são os Estados.

Existem, além do Estado, grupos organizados em defesa dos direitos humanos que trabalham para combater suas violações. São grupos que atuam contra o tráfico internacional de pessoas; que combatem a escravidão; que combatem a exploração infantil; que defendem pessoas contra a violência do Estado através da polícia ou do sistema carcerário, entre outros. Entretanto, no Brasil – e com apoio de muitos setores da mídia – criou-se a ideia de que direitos humanos servem apenas aos “bandidos” e que deveriam existir apenas para “humanos direitos”. Esta concepção já é contrária aos princípios que norteiam os direitos humanos, de proteger e tratar como iguais em direitos todas as pessoas. Ao querer diferenciar as pessoas entre os “humanos direitos” e os “humanos errados” comete-se o equívoco que a declaração universal sempre buscou combater: a distinção entre os homens, criando pessoas de primeira e de segunda classe, retirando a noção principal dos Direitos Humanos, de que eles são inerentes à condição humana de cada indivíduo. Se alguém comete um crime, ou seja, uma atitude considerada errada pela coletividade e presente num código de leis, ele deve ser julgado e responsabilizado por isso, mas não perde suas garantias fundamentais. Deve ser analisado no contexto dos direitos humanos, que não podem ser suspensos para aplicar qualquer outra punição. Defender isso não é defender bandidos, mas sim o direito de todos os homens, de que não estarão expostos ao arbítrio, à suspensão de direitos ao desejo de uma situação, assim como os militantes dos direitos humanos defendem aqueles que sofrem com a escravidão, com a exploração, etc.

Isso tudo tem histórico e razão de ser. Ao decidir de acordo com uma situação quem deve ou não ter preservado seus direitos, estaremos retomando episódios graves de nossa história. Em Estados autoritários não é incomum suspender direitos de pessoas ao sabor de seus interesses. É o caso das ditaduras pelo mundo. Hitler elegeu os judeus como “criminosos”, segundo ele responsáveis históricos e atuais – na época – pela degeneração do povo alemão, pela crise, pela pobreza. Desta forma, na visão de seu regime, era legítimo lhes garantir menos direitos que os demais cidadãos, afinal eram “criminosos” ou pessoas de segunda classe. As leis editadas pelo nazismo davam verniz de legalidade e justificavam a perseguição e, posteriormente, assassínio de milhões de judeus dentro e fora da Alemanha, bem como eslavos, ciganos, etc. Fatos esses que receberam apoio da sociedade. A prática de “suspender” direitos por uma suposta necessidade de momento, como quando do cometimento de delitos por pessoas é a pior possível. Ela permite que se classifiquem os seres humanos que podem ou não ter direitos e isso rompe todo o sistema de garantias, que deve atender cada pessoa, sob o risco de colocar todos vulneráveis a julgamentos circunstanciais.


A história da humanidade está repleta de exemplos de fogueiras, enforcamentos, guilhotinas, açoites, entre outras, que eram utilizadas para punir criminosos e os escolhidos “culpados” pelas crises e problemas sociais de seu tempo. Se isso serviu para alguma coisa, foi para exemplificar o que não deve ser feito. A sociedade pode viver de forma minimamente organizada e garantir situação melhor de vida aos seus membros – ainda que com problemas – quando respeita a condição humana e as garantias fundamentais de todos e de cada pessoa. 


Paulo Malerba é Cientista Social, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Unicamp; vereador na cidade de Jundiaí/SP, dirigente sindical da Federação dos Bancários da CUT/SP. 

Um comentário:

Anônimo disse...

A síntese dos direitos humanos e de nossa Constituição defende a igualdade. Particularmente no Brasil essa igualdade em alguns momentos parece ferida, parece haver uma certa banalização do “tratar desigualmente os desiguais”. Por vezes ao garantir o direito dos menos favorecidos o Estado tem preterido o direito de outros. Muitas pessoas pagam planos de saúde, escolas, entre outros, não porque são ricos ou tem dinheiro sobrando, mas porque esses serviços são deficitários ou não são garantidos a todos, assim garante-se o direito de uns em detrimento a outros. O mesmo caso das cotas raciais, há pessoas que tiveram melhores oportunidades que se aproveitam desse benefício em detrimento de outros menos favorecidos que não podem utilizar-se do fator por sua cor. Não vejo isso como justiça. Assim como os que fraudam os sistemas, muitas vezes com amparo público, como o caso do vereador que recebia bolsa família. Isso causa indignação na sociedade, que não se vê amparada, nem protegida. Como dizer a um cidadão de bem que paga seus impostos e por vezes é preterido em seus direitos, que ele não pode bater em um ladrão porque ele tem direitos. Claro que tem, e todos devemos respeitá-los, mas parece que estamos às margens do faroeste, muita bandidagem, muito tráfico, e cidadãos reféns do medo. O medo e a indignação, combinados, podem levar o ser humano a ações extremas e irracionais, afinal, por vezes, é preciso lutar contra o instinto animal da sobrevivência e auto-proteção.