Por Paulo Malerba
Nas últimas semanas algumas falas que já se ouvem
eventualmente, em rodas de conversas entre amigos e comentários na internet, se
potencializaram com a vingança realizada no Rio de Janeiro por moradores contra
um rapaz menor de idade que estaria cometendo crimes nas redondezas. Dentre os
argumentos mais utilizados para criticar a noção de direitos humanos, estão
afirmações de que estes “defenderiam apenas os bandidos” e declarações de que “direitos
humanos são para humanos direitos”. Isto suscitou a ideia de escrever este
artigo e buscar a reflexão, não sobre o fato em si, mas sobre o lugar dos
direitos humanos em nossa sociedade.
Os direitos humanos, assim como conhecemos atualmente,
referem-se ao reconhecimento formal de que todos os homens nascem iguais e
possuem um conjunto de garantias fundamentais que são inerentes à sua condição
humana, independente da vontade de outros. São direitos extensivos a todos e a
cada ser humano que nascer. O instrumento pelo qual foram viabilizados
mundialmente é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, no período pós-guerra. A ideia
de direitos humanos já existia anteriormente, de diferentes formas, tendo
surgido com maior proeminência na idade moderna com os jusnaturalistas e também
presentes na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução
Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
A Declaração da ONU é decorrência dos eventos da segunda
guerra mundial e das atrocidades do regime nazista alemão, em especial. Milhões
de civis foram brutalmente perseguidos e assassinados por razões étnicas,
religiosas, políticas, econômicas e culturais. Foram-lhes negadas quaisquer
garantias fundamentais, como seres humanos, inclusive a mais básica, o direito
à vida. Estes fatos reforçaram a percepção global sobre o tema, de se construir
a noção de direitos humanos universais, extensíveis a todo ser humano no
planeta, independente do governante, dos poderosos ou da ideologia do momento,
que, sob nenhuma justificativa, poderiam atacar tais direitos.
Esta Declaração versa sobre diversos direitos humanos, o
direito à vida, à liberdade, à nacionalidade, à dignidade, ao trabalho decente,
a não sofrer tortura ou tratamento degradante, direitos políticos, à
propriedade, ao casamento (!), entre outros. Por exemplo, colocar alguém em
situação de escravidão é uma violação dos direitos humanos, tratar uma pessoa
como mercadoria e não como um ser humano é outra forma de violação. O principal
responsável pela efetivação destes direitos são os Estados.
Existem, além do Estado, grupos organizados em defesa dos
direitos humanos que trabalham para combater suas violações. São grupos que
atuam contra o tráfico internacional de pessoas; que combatem a escravidão; que
combatem a exploração infantil; que defendem pessoas contra a violência do
Estado através da polícia ou do sistema carcerário, entre outros. Entretanto,
no Brasil – e com apoio de muitos setores da mídia – criou-se a ideia de que
direitos humanos servem apenas aos “bandidos” e que deveriam existir apenas
para “humanos direitos”. Esta concepção já é contrária aos princípios que
norteiam os direitos humanos, de proteger e tratar como iguais em direitos todas as pessoas. Ao querer diferenciar as pessoas entre os “humanos direitos” e os
“humanos errados” comete-se o equívoco que a declaração universal sempre buscou
combater: a distinção entre os homens, criando pessoas de primeira e de segunda
classe, retirando a noção principal dos Direitos Humanos, de que eles são
inerentes à condição humana de cada indivíduo. Se alguém comete um crime, ou
seja, uma atitude considerada errada pela coletividade e presente num código de
leis, ele deve ser julgado e responsabilizado por isso, mas não perde suas
garantias fundamentais. Deve ser analisado no contexto dos direitos humanos,
que não podem ser suspensos para aplicar qualquer outra punição. Defender isso
não é defender bandidos, mas sim o direito de todos os homens, de que não
estarão expostos ao arbítrio, à suspensão de direitos ao desejo de uma
situação, assim como os militantes dos direitos humanos defendem aqueles que
sofrem com a escravidão, com a exploração, etc.
Isso tudo tem histórico e razão de ser. Ao decidir de acordo
com uma situação quem deve ou não ter preservado seus direitos, estaremos
retomando episódios graves de nossa história. Em Estados autoritários não é
incomum suspender direitos de pessoas ao sabor de seus interesses. É o caso das
ditaduras pelo mundo. Hitler elegeu os judeus como “criminosos”, segundo ele
responsáveis históricos e atuais – na época – pela degeneração do povo alemão,
pela crise, pela pobreza. Desta forma, na visão de seu regime, era legítimo
lhes garantir menos direitos que os demais cidadãos, afinal eram “criminosos”
ou pessoas de segunda classe. As leis editadas pelo nazismo davam verniz de
legalidade e justificavam a perseguição e, posteriormente, assassínio de
milhões de judeus dentro e fora da Alemanha, bem como eslavos, ciganos, etc.
Fatos esses que receberam apoio da sociedade. A prática de “suspender” direitos
por uma suposta necessidade de momento, como quando do cometimento de delitos
por pessoas é a pior possível. Ela permite que se classifiquem os seres humanos
que podem ou não ter direitos e isso rompe todo o sistema de garantias, que
deve atender cada pessoa, sob o risco de colocar todos vulneráveis a
julgamentos circunstanciais.
A história da humanidade está repleta de exemplos de
fogueiras, enforcamentos, guilhotinas, açoites, entre outras, que eram
utilizadas para punir criminosos e os escolhidos “culpados” pelas crises e
problemas sociais de seu tempo. Se isso serviu para alguma coisa, foi para
exemplificar o que não deve ser feito. A sociedade pode viver de forma minimamente
organizada e garantir situação melhor de vida aos seus membros – ainda que com
problemas – quando respeita a condição humana e as garantias fundamentais de
todos e de cada pessoa.
Paulo Malerba é Cientista Social, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Unicamp; vereador na cidade de Jundiaí/SP, dirigente sindical da Federação dos Bancários da CUT/SP.
Paulo Malerba é Cientista Social, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Unicamp; vereador na cidade de Jundiaí/SP, dirigente sindical da Federação dos Bancários da CUT/SP.
Um comentário:
A síntese dos direitos humanos e de nossa Constituição defende a igualdade. Particularmente no Brasil essa igualdade em alguns momentos parece ferida, parece haver uma certa banalização do “tratar desigualmente os desiguais”. Por vezes ao garantir o direito dos menos favorecidos o Estado tem preterido o direito de outros. Muitas pessoas pagam planos de saúde, escolas, entre outros, não porque são ricos ou tem dinheiro sobrando, mas porque esses serviços são deficitários ou não são garantidos a todos, assim garante-se o direito de uns em detrimento a outros. O mesmo caso das cotas raciais, há pessoas que tiveram melhores oportunidades que se aproveitam desse benefício em detrimento de outros menos favorecidos que não podem utilizar-se do fator por sua cor. Não vejo isso como justiça. Assim como os que fraudam os sistemas, muitas vezes com amparo público, como o caso do vereador que recebia bolsa família. Isso causa indignação na sociedade, que não se vê amparada, nem protegida. Como dizer a um cidadão de bem que paga seus impostos e por vezes é preterido em seus direitos, que ele não pode bater em um ladrão porque ele tem direitos. Claro que tem, e todos devemos respeitá-los, mas parece que estamos às margens do faroeste, muita bandidagem, muito tráfico, e cidadãos reféns do medo. O medo e a indignação, combinados, podem levar o ser humano a ações extremas e irracionais, afinal, por vezes, é preciso lutar contra o instinto animal da sobrevivência e auto-proteção.
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