quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Onde está a corrupção?

Por Paulo Eduardo Malerba


O grupo de auditoria holandesa KPMG fez uma pesquisa durante um de seus cursos no Brasil. O questionário respondido por cerca de 500 altos executivos de empresas brasileiras mostrou resultados interessantes relativos à corrupção e a sua percepção por parte dos gestores e administradores de importantes empresas brasileiras.

No questionário entregue aos participantes, sob garantia de anonimato, foram feitas perguntas sobre a possibilidade de práticas de corrupção para benefícios da empresa nas suas relações comerciais. O resultado apontou que 62% dos executivos admitem esta possibilidade - que sua empresa participaria de atos de corrupção -, enquanto a hipótese foi rejeitada apenas por 21% e outros 17% não a responderam. Em relação aos concorrentes, 85% dos altos executivos presentes acreditam que seus adversários se utilizam de meios espúrios para obtenção de vantagens.

A pesquisa é reveladora da consciência que os executivos possuem das formas como se estabelecem muitas das relações comerciais. No Brasil, que convive diariamente com denúncias de corrupção envolvendo entes públicos, criou-se a percepção difundida socialmente de que esse seria um problema limitado ao setor público. De fato, existe um grau signficativo de corrupção no poder público brasileiro que, no entanto, não aparece desvinculado - em sua maioria - da relação com a iniciativa privada. Quando uma licitação é fraudada, por exemplo, por um lado houve a corrupção do agente público, do outro, do beneficiário - e corruptor - do setor privado. Quando uma empresa presta um serviço ao público e não o termina ou o faz em condições piores que o estabelecido para se beneficiar observa-se a mesma relação.

Não é incomum que na disputa entre empresas do setor privado práticas corruptas sejam utilizadas para garantir vantagens. Muitas vezes ouvimos que um sócio desfalcou o outro na sociedade; que um gerente foi demitido por desvio; que o setor de compras estava contaminado; que um empresário sumiu do mapa e deixou dívidas com os funcionários e fornecedores; que uma construtora vendeu e não entregou; entre outros. Todas praticadas pela iniciativa privada, além daquelas na relação com o setor público. Isso, nem de longe, afasta ou reduz a responsabilidade dos maus gestores públicos e dos servidores corruptos. São eles a quem o conjunto da sociedade confia sua representação e a defesa de seus interesses, por tanto, traí-los é ainda mais sério.




A questão que se aborda aqui é mostrar o caráter difuso da corrupção, que não pertence a um ou outro segmento, mas surgida da relação inadequada entre eles e difundidas como justificáveis. Não concordo quando ouço importantes empresários e representantes de entidades empresariais apontarem como um dos grandes problemas do Estado brasileiro a corrupção - que de fato é - sem, no entanto, apontarem as suas responsabilidades e as suas falhas no controle interno, muitas vezes meramente acusando alguns funcionários por atividades que os beneficiaram enquanto instituição. Num destes dias, ouvi um importante representante do setor patronal reclamar da corrupção relacionada aos políticos para financiarem suas campanhas, sem ao menos ponderar a responsabilidade dos empresários que alimentam um sistema eleitoral promíscuo e que, muitos deles, não querem mudar pois é um modelo bastante favorável para ganhos econômicos de empresas de vários setores.

No Brasil, ocorreram importantes avanços: a criação da Controladoria Geral da União (CGU); a atuação dos Ministérios Públicos e da Polícia Federal; a recente Lei Anticorrupção, dentre outras medidas públicas e privadas, que ajudam a fortalecer o arcabouço institucional para combater os desvios. Uma reforma política bem feita, que impeça a doação privada, será outro importante mecanismo para se evitar a corrupção. A partir de elementos como os da pesquisa apresentada acima, cabe uma reflexão e ação mais ampla por parte da sociedade sobre o papel da corrupção em outros níveis de relações sociais. Ela pode surgir dos governantes, dos servidores e dos empresários, bem como de situações cotidianas aparentemente menos ofensivas. 

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