sexta-feira, 21 de março de 2014

Abrindo Braços e Mentes





Por Marina Arilha,
(Bacharel em Relações Internacionais 
pela Universidade Iberoamericana, 
Cidade do México)



No dia 14 de março o Programa “Braços Abertos” completou seu terceiro mês de trabalho. Naquele primeiro dia os jornais, inclusive vários internacionais, publicaram as fotos dos barracos da famosa “Cracolândia”1 sendo destruídos pacificamente, e inclusive com a ajuda dos moradores que pareciam estar muito ansiosos por esta nova oportunidade.

 
O Programa tem como objetivo de resgatar a dignidade das pessoas. Demonstrar aos próprios beneficiários – cujas adesões foram voluntárias – e também à sociedade que aquelas pessoas marginalizadas e viciadas podem ser reabilitadas a partir de uma oportunidade de trabalho e tratamento digno de um ser humano. Este desafiante projeto se propôs a pagar R$15,00 por dia (que é pago 1 vez por semana através de um cartão que somente permite o saque) em troca de 4 horas de varrição e 2 horas de capacitação. Também será concedido alojamento e três refeições gratuitas aos participantes. Quem eventualmente não for trabalhar, mas em vez disso procurar ajuda na rede de saúde, receberá o seu salário normalmente. Destacamos aqui a internação como uma iniciativa própria do usuário. Trata-se de um programa gerido pela ONG “Brasil Gigante”, importante parceira do governo, que contrário das tentativas passadas de regeneração da área, tem o propósito inclusivo e focado na saúde. O sentido é despertar o desejo da transformação própria dos 300 beneficiados.


Apesar da dedicação do governo do Prefeito Haddad e os riscos que decidiram adquirir ao apostar na reforma da integridade humana, já que não podemos esquecer os riscos da instabilidade presente nos ânimos de pessoas que sofrem de dependências químicas, as críticas ainda são muito severas ao se tratar de um tema “tabu” para muitos. Muitas pessoas deixaram de acreditar no ser humano e sua capacidade de superação.


Ao conversar com muitos amigos e conhecidos percebi (para minha surpresa) que grande parte da sociedade é contra o Programa. Muitos brasileiros, de distintos partidos políticos, classe social e gênero, falam da violência como única saída para casos de adição a drogas. Não é possível. Será muito difícil de perceber que o usuário tem um problema grave de saúde? Que muitas vezes o dependente precisa sentir-se útil, ver outras possibilidades de vida para valorar a sua e deixar o vício? Que a violência somente traz a desconfiança daquelas pessoas que já se sentem excluídas e marginalizadas pela sociedade? Que a violência só gera mais violência? Às vezes me questiono sobre a funcionalidade da história e da memória. Ninguém se lembra do que aconteceu em 2012 na mesma região da cidade de São Paulo? O governo da cidade decidiu destruir a favela da região a base de bombas e balas de borracha, sem nenhum tipo de diálogo. Tratando os conhecidos como “nóias” de forma desumana, sendo que apenas descentralizou o problema e ficou longe de resolvê-lo.


Estas pessoas não precisam de mais violência e sim de saúde, políticas sociais, acompanhamento e cuidados. Esta nova política se contrapõe com aquelas de internações compulsórias, onde os “beneficiados” viam o Estado como inimigos, já internados imploravam por um cigarro, não tinham consciência da importância da abstinência e como resultado eram agressivos com eles mesmos, seus iguais e com as assistentes sociais que dia a dia enfrentavam aquela situação desumana.  Tive a oportunidade de conversar com uma ex-assistente social que trabalhou em centros de readaptação no centro da cidade de São Paulo e ela me contou o sobre as aberrantes diferenças entre os internos compulsórios e aqueles que entraram lá por livre e espontânea vontade, a final de contas somente se cura quem realmente quer, por que se sabe que é necessária muita força de vontade própria.

Não basta cortar o consumo se não se dá uma perspectiva de desenvolvimento pessoal. Um novo horizonte com objetivo para o qual lutar, é preciso a criação de uma cidadania. O abandono da droga não é o ponto de partida do Programa, e sim o ponto de chegada! A Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social, Luciana Temer afirmou: “Não se trata de uma ação isolada, e sim uma construção de 6 meses até o primeiro passo concreto”. Não é difícil perceber que quando a PM dá lugar ao diálogo das admiráveis assistentes sociais, a aceitação é outra. Esta ação original do Governo da cidade de São Paulo está colhendo frutos altamente positivos. De acordo com os integrantes do Programa os favorecidos se sentem empoderados com seus salários e suas casas, se preocupam mais com o futuro de seus filhos, cumprem fielmente com seu horário de trabalho e colaboram com o asseio dos hotéis comunitários. Em outras palavras: Se sentem pessoas! Todos somos conscientes sobre a dificuldade da pessoa deixar o vício, mesmo os participantes, porém um mês depois de começado o Programa, se estima a redução do uso de crack. O programa já é fonte de inspiração para Curitiba, que está estudando a possibilidade de adaptar o mesmo para sua cidade. Este resultado é um tapa na cara de todos aqueles que acreditam na antiga política de “segurança” da violência.

Sou entusiasta de ações que como esta que foca nos direitos e na dignidade dos seres humanos e acredito que estaremos todos atentos para ver resultados mais concretos. Espero que possa chegar a outras pessoas com dependência química em diversas regiões, combatendo este grande problema de nossa sociedade. Quero acreditar que a maioria da torcida almeje pelo bem de seus iguais e não pelo fracasso de um Programa somente pelo seu tinte político.
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1 Favela entre as ruas Helvética e Dino Bueno no bairro da Luz, centro da cidade de São Paulo. Coração do comércio e uso de drogas, principalmente o crack.

Imagens: http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2014/01/17/bracos-aberto-haddad-vai-para-o-abraco/

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