A derrota agravou os problemas internos no partido que é, cada vez mais, o
esteio da oposição conservadora e de direita: o PSDB.
Por José Carlos Ruy
A reação dos tucanos e da mídia conservadora ante a estrondosa derrota do
PSDB na eleição municipal deste ano é surpreendente. Além de procurar desculpas
para explicar o mau desempenho eleitoral nos dois turnos da eleição, alinhavam
argumentos para fazer acreditar no improvável, o alegado enfraquecimento da base
do governo da presidenta Dilma Rousseff, e tentam convencer incautos sobre um
também alegado fortalecimento do PSDB nesta eleição. E apostando, sobretudo, num
sonhado – como reconheceu o cardeal tucano eleito para a prefeitura de Manaus,
Artur Virgílio – rearranjo partidário para 2014 que atrairia o PSB do governador
pernambucano Eduardo Campos para uma aliança com o PSDB na disputa
presidencial.
Vão gastar papel e tinta (ou tela e sinais eletrônicos, se quisermos
modernizar a linguagem) em tentativas de consolo com escassa base nos fatos
concretos.
A verdade indisfarçável é a de que os partidos de esquerda e
centro-esquerda se fortaleceram, ao mesmo tempo em que a oposição conservadora e
neoliberal desceu um degrau na escadaria do poder. PSDB, PPS e DEM (sobretudo)
viram diminuir seus números de prefeitos, vereadores e de votos. Em
contrapartida, PT, PCdoB e PSB cresceram ganhando maior número de votos,
prefeituras e vereadores.
E a oposição, embora tenha ganhado em capitais importantes, como Manaus e
Salvador (dando uma sobrevida ao esquálido DEM), perdeu a principal e mais
importante disputa, a eleição em São Paulo, que tem influência nacional
determinante.
Derrota que agravou os problemas internos no partido que é, cada vez mais,
o esteio da oposição conservadora e de direita: o PSDB.
O partido dos tucanos mantém inegável força política, mas corroída por
disputas internas que, fechadas as urnas, afloraram com força opondo lideranças
declinantes, como o derrotado José Serra e o impopular Fernando Henrique
Cardoso, a novas estrelas cuja ascensão no ninho tucano tem esbarrado justamente
na oposição do núcleo paulista da legenda, como os governadores de São Paulo,
Geraldo Alckmin, e Minas Gerais, Aécio Neves.
A movimentação começou logo no dia seguinte à derrota de José Serra. O
governador mineiro Aécio Neves, que vive às bicadas com José Serra desde pelo
menos a disputa para definir o candidato tucano para a eleição presidencial de
2010, viajou para São Paulo na segunda-feira (29), onde foi conversar com
Fernando Henrique Cardoso para avaliar o desempenho partidário na eleição
encerrada no domingo; seu contato com José Serra reduziu-se a um telefonema.
Aécio que foi alçado, com o enfraquecimento de Serra, à grande estrela tucana,
ao lado de outro desafeto do candidato derrotado, o governador Geraldo Alckmin,
que também não reza pela cartilha serrista e que emerge da eleição como a outra
grande estrela nacional do partido.
O estilhaçamento interno do PSDB é visível também na avaliação do senador
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), um serrista de carteirinha que jogou a culpa
da derrota de Serra sobre o que chamou de "negligência política" do PSDB. Foi na
conta dessa “negligência política” que ele colocou o fracasso tucano em defender
os motivos e a trajetória de seu candidato, sobretudo os temas conservadores que
acolheu (aos quais o próprio Fernando Henrique Cardoso se referiu criticamente,
durante a campanha) ou a decisão de renunciar à prefeitura em 2006, com pouco
mais de um ano de mandato, e que foi um dos principais fatores da forte rejeição
que as pesquisas de opinião registraram.
A fragmentação ocorre ao lado de um movimento visível no ninho para
desinflar a hegemonia paulista (paulistana, mais precisamente) no PSDB. De
Manaus, Artur Virgílio reforça esse movimento montado numa vitória que o
recoloca no primeiro plano entre os caciques emplumados. E confessa que o “time
dos sonhos” do tucanato é a improvável aliança com o PSB de Eduardo Campos em
2014. Sonho partilhado também pelo cardeal Fernando Henrique Cardoso.
Aécio é um dos crentes em uma “vitória” tucana. "O resultado superou nossas
expectativas", disse, comparando o desempenho tucano com apenas o de um dos
partidos da base aliada, o principal deles, o PT, e deixando deliberadamente de
fora de seu foco de análise o desempenho das outras agremiações do núcleo de
esquerda e centro-esquerda do governo, como o PCdoB, o PSB e o PMDB.
Outro que alardeia um fortalecimento tucano pós eleição é o presidente em
exercício do partido, Alberto Goldman. "Saímos mais fortes. Apesar de ter
perdido em São Paulo com 11% de diferença”, disse, ancorando-se num resultado
nacional que considerou favorável que, em sua opinião, derivou de uma “maior
capilaridade” do PSDB, de “uma presença mais expressiva”. Há opinião para
tudo!
O mantra tucano pós derrota passou a ser a “necessidade de renovação”. O
cientista político Humberto Dantas, do Insper, acredita na necessidade de
"oxigenar" um partido cujas lideranças já estão avançadas em anos – Fernando
Henrique Cardoso passa dos 80 anos, Serra dos 70 e Alckmin está na véspera de
completar 60. Lideranças que têm se caracterizado, na última década, por
colecionar derrotas eleitorais.
Não há como deixar de ler, nas entrelinhas da análise do professor, o nome
de Aécio Neves, embora ele não o tenha citado. Mas ele apontou, em seu
diagnóstico, o desafio a ser enfrentado para uma “renovação” tucana: a
"truculência" das forças internas do partido, "viciadas na fórmula
Covas-Alckmin-Serra". Truculência exposta já em eleições passadas quando a
definição dos principais candidatos tucanos foi decidida quase a tapas.
Entre os problemas do PSDB apontados por Dantas está a necessidade de
apresentação de novos nomes, novas lideranças que superem este triplo legado
(Covas, Serra, Alckmin), está o que chamou de uma "significativa incapacidade de
se planejar enquanto partido", e a urgência de encontrar "respostas estratégicas
às demais perguntas deve tomar conta da agenda tucana urgentemente."
O desentendimento entre os caciques é um ponto frágil significativo, de
desdobramentos que ainda não se pode prever. Outra fragilidade, enorme, são as
ideias, é o programa. "O partido tem que construir seu discurso, fortalecer esse
discurso de oposicionista para enfrentar o poder central que é o PT e seus
aliados”, disse Alberto Goldman. “A estratégia é definir claramente sua posição
e atuar, estar presente nos grandes temas que aparecem a todo momento”.
Ele repete, à sua maneira, aquilo que Fernando Henrique Cardoso vem
repetindo há algum tempo. Artur Virgílio é outro para quem o PSDB, "mais do que
novos quadros, precisa de novas ideias", aterrizando no cotidiano e falando “a
linguagem das pessoas”, estando “superado isso de partido de intelectuais".
Talvez ele tenha razão. Um partido de caciques intelectuais, distanciado do povo
e dos trabalhadores, tem mesmo dificuldades crescentes à medida em que a
democracia avança.
Mas que temas traduzir em “linguagem popular?” Com certeza será a
reafirmação do mesmo repudiado programa neoliberal, de privatizações e omissão
do Estado em relação aos problemas do povo, tudo isso embalado no cantochão do
chamado “mensalão”. É um desafio e tanto para o tucanato visto que, cada vez
mais, os brasileiros demonstram imunidade ao discurso privatista, elitista,
antinacional e antidemocrático que os caracteriza.
O resultado da eleição deste ano aponta certamente para um rearranjo
partidário, que corresponde a mudanças que ocorrem entre o eleitorado. Mas não
se trata de um rearranjo à maneira conservadora. Bem, observadas as coisas,
pode-se ver que, entre os quatro grandes partidos, dois perfilam no campo da
esquerda (PT e PSB), um no campo que se pode chamar de cento-esquerda (PMDB) e
um consolida-se como a legenda da direita (o PSDB). É preciso considerar também,
nesta avaliação de uma tendência à esquerda do eleitorado, o notável crescimento
do PCdoB, que avança e acumula forças.
Neste quadro partidário em movimento, onde a direita mais tradicional se
estiola (o DEM agarra-se à tábua de salvação que significa a conquista da
Prefeitura de Salvador) há um lugar demarcado para o tucanato: consolidar-se
como o refúgio das forças conservadoras e oligárquicas numa nova formulação
partidária onde elas perdem crescentemente expressão eleitoral. Pode-se prever
os intensos conflitos entre as caciques tucanos até alcançarem a acomodação
interna. É um processo em curso cujo próximo passo significativo será a eleição
geral de 2014 (que inclui a disputa pela Presidência da República e dos governos
estaduais). Serão dois curtos anos de fortes lutas no ninho tucano, envolvendo
quase certamente Aécio Neves, Geraldo Alckmin, o renitente José Serra, sob a
sombra de Fernando Henrique Cardoso.
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