por Paulo Malerba
Considero uma grande
conquista da sociedade a separação entre Estado e religião. Um avanço e um
marco civilizatório. A vida política não pode ser guiada por preceitos
religiosos, pois isto não respeita as pessoas que possuem outra fé e outra
cosmovisão. Jesus foi morto num contexto de conchavos entre religiosos e
políticos. Nunca quisemos o papa nomeando reis ou a Igreja Católica Romana definindo
os rumos de nossa política.
As moedas do Império Romano refletem a instrumentação da religião pelo Estado |
Não existe apenas uma
religião e uma fé. Isso, de forma alguma, implica que o cristão dispense sua
ética e seus valores evangélicos em sua atuação política. A minha ética de vida
e de ação política é cristã. Por ética, compreendo os princípios morais,
valores, o chamado certo e errado. Nem todos irão concordar com eles, nem devo
querer impô-los como um paradigma político. A ética cristã, na qual me oriento,
é a justiça, a liberdade, a compaixão, a solidariedade, o acolhimento, a vida,
o amor - acima de tudo. Este foi o legado de Cristo para enfrentarmos todas as
formas de exploração, opressão, miséria e morte que nos cercam. Isto me motiva.
Ao meu ver, a fé cristã e a
política tem os mesmos objetivos, que são realizar o projeto de Deus na terra.
Mas essas duas dimensões não são iguais, são diferentes. Suas formas de se
expressar também são diferentes. Quando agimos para defender os direitos do
povo caminhamos na mesma direção e para o mesmo propósito da fé cristã. Quando
estamos preocupados em levantar a bandeira de uma fé ou de uma religião e nos
esquecemos da justiça, do amor, da igualdade, estamos indo para o outro lado. A
nossa prática de vida e nossa ação coerente faz com que política e a fé se
complementem. A explicitação religiosa da fé não se faz na esfera política, mas
sim na Igreja. Por isso, no parlamento, minha fé se expressa em uma linguagem
parlamentar, com argumentos parlamentares. O parlamento é o espaço para o
debate e os argumentos políticos. Se cada parlamentar usar a sua religião ou fé
(ou falta de fé) para discutir as questões políticas, passamos a ter uma
discussão que excede a esfera política, pois será incompatível com as bases da
política, criação humana e, consequentemente, a discussão restará infrutífera.
A ética cristã que
acredito deve garantir a vida e a justiça,
por isso posso argumentar tranquilamente em defesa da vida e da justiça como
objetivos políticos sem utilizar o nome da fé (ou um discurso religioso) para
isso.
Não nos surpreende que
existam ótimos políticos que não tem religião realizando grandes feitos (O
Espírito sopra onde quer...), são justos e defendem os oprimidos, ao passo que,
infelizmente, muitos dos que fazem política em nome da fé estão caminhando na
direção contrária ao horizonte de amor e justiça de Cristo (como aqueles
políticos e religiosos que crucificaram a Jesus).
Já é famosa a expressão que
a religião pode se transformar-se em “ópio do povo”, isso acontece sempre que
alguém em nome da religião contraria todos os princípios evangélicos, pois está
mais preocupado em levantar a bandeira de uma suposta fé do que agir
verdadeiramente pelos propósitos de Cristo (e isto é ter fé).
Como sabiamente escreveu
Frei Betto:
“A fé é o sol que desperta
no horizonte da política. Isso não significa que deva existir política cristã.
Deve haver política justa, democrática(...) Uma política assim, inevitavelmente
deverá se encontrar com as verdades da fé. Aliás, isso já acontece a cada vez
que a política realiza na sociedade os valores evangélicos: libertação dos
pobres e construção da sociedade fraterna”.
Continua ele:
“Valores como direitos dos
necessitados, vida para todos, partilha de bens, poder como serviço e outros.
Sem esses valores a política vira politicagem e a corrupção mata o projeto da
vida. Isso não significa que a política deva ser feita em nome da fé. Ela deve
ser feita em nome do amor, da verdade e da justiça aos oprimidos e excluídos”.
Pois bem. Defender os valores cristãos não é apenas falar em nome deles ou em “nome de Deus”, é
agir pelos seus propósitos: amor, justiça, igualdade, liberdade e combater as
mazelas deste mundo, apenas assim, a política e a fé se complementam.
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