quinta-feira, 4 de abril de 2013

Algumas palavras sobre política e religião...



por Paulo Malerba

Considero uma grande conquista da sociedade a separação entre Estado e religião. Um avanço e um marco civilizatório. A vida política não pode ser guiada por preceitos religiosos, pois isto não respeita as pessoas que possuem outra fé e outra cosmovisão. Jesus foi morto num contexto de conchavos entre religiosos e políticos. Nunca quisemos o papa nomeando reis ou a Igreja Católica Romana definindo os rumos de nossa política.

As moedas do Império Romano refletem a instrumentação da religião pelo Estado
 
Não existe apenas uma religião e uma fé. Isso, de forma alguma, implica que o cristão dispense sua ética e seus valores evangélicos em sua atuação política. A minha ética de vida e de ação política é cristã. Por ética, compreendo os princípios morais, valores, o chamado certo e errado. Nem todos irão concordar com eles, nem devo querer impô-los como um paradigma político. A ética cristã, na qual me oriento, é a justiça, a liberdade, a compaixão, a solidariedade, o acolhimento, a vida, o amor - acima de tudo. Este foi o legado de Cristo para enfrentarmos todas as formas de exploração, opressão, miséria e morte que nos cercam. Isto me motiva.

Ao meu ver, a fé cristã e a política tem os mesmos objetivos, que são realizar o projeto de Deus na terra. Mas essas duas dimensões não são iguais, são diferentes. Suas formas de se expressar também são diferentes. Quando agimos para defender os direitos do povo caminhamos na mesma direção e para o mesmo propósito da fé cristã. Quando estamos preocupados em levantar a bandeira de uma fé ou de uma religião e nos esquecemos da justiça, do amor, da igualdade, estamos indo para o outro lado. A nossa prática de vida e nossa ação coerente faz com que política e a fé se complementem. A explicitação religiosa da fé não se faz na esfera política, mas sim na Igreja. Por isso, no parlamento, minha fé se expressa em uma linguagem parlamentar, com argumentos parlamentares. O parlamento é o espaço para o debate e os argumentos políticos. Se cada parlamentar usar a sua religião ou fé (ou falta de fé) para discutir as questões políticas, passamos a ter uma discussão que excede a esfera política, pois será incompatível com as bases da política, criação humana e, consequentemente, a discussão restará infrutífera. 

A ética cristã que acredito deve garantir a vida e a justiça, por isso posso argumentar tranquilamente em defesa da vida e da justiça como objetivos políticos sem utilizar o nome da fé (ou um discurso religioso) para isso.

Não nos surpreende que existam ótimos políticos que não tem religião realizando grandes feitos (O Espírito sopra onde quer...), são justos e defendem os oprimidos, ao passo que, infelizmente, muitos dos que fazem política em nome da fé estão caminhando na direção contrária ao horizonte de amor e justiça de Cristo (como aqueles políticos e religiosos que crucificaram a Jesus). 

Já é famosa a expressão que a religião pode se transformar-se em “ópio do povo”, isso acontece sempre que alguém em nome da religião contraria todos os princípios evangélicos, pois está mais preocupado em levantar a bandeira de uma suposta fé do que agir verdadeiramente pelos propósitos de Cristo (e isto é ter fé).

Como sabiamente escreveu Frei Betto:
“A fé é o sol que desperta no horizonte da política. Isso não significa que deva existir política cristã. Deve haver política justa, democrática(...) Uma política assim, inevitavelmente deverá se encontrar com as verdades da fé. Aliás, isso já acontece a cada vez que a política realiza na sociedade os valores evangélicos: libertação dos pobres e construção da sociedade fraterna”. 

Continua ele:
“Valores como direitos dos necessitados, vida para todos, partilha de bens, poder como serviço e outros. Sem esses valores a política vira politicagem e a corrupção mata o projeto da vida. Isso não significa que a política deva ser feita em nome da fé. Ela deve ser feita em nome do amor, da verdade e da justiça aos oprimidos e excluídos”.

Pois bem. Defender os valores cristãos não é apenas falar em nome deles ou em nome de Deus, é agir pelos seus propósitos: amor, justiça, igualdade, liberdade e combater as mazelas deste mundo, apenas assim, a política e a fé se complementam.



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