sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Reforma Política - Parte III


POR PAULO MALERBA
O tema da reforma política tem ocupado crescente espaço de debate na sociedade brasileira. Iniciativas populares, discussões nos meios de comunicação e projetos de lei que tramitam no congresso versam sobre alterações no sistema político, especialmente a questão eleitoral. Porém, tanto o diagnóstico quanto as medidas a serem adotadas são distintas para cada um dos setores envolvidos no debate, e nenhuma reforma significativa avançou. Com isso, as tímidas mudanças ocorridas no sistema foram frutos, principalmente, de medidas adotadas pelo poder judiciário por meio de resoluções, redefinindo as regras que vão da fidelidade partidária à propaganda eleitoral.

Ao longo dos séculos, a sociedade brasileira tem se construído mormente sem fortes rupturas, e reformas estruturais fundamentais ainda não foram realizadas. A necessidade de implementá-las tem aparecido no cenário político-social há algumas décadas e foram especialmente vocalizadas no governo Jango, impedido de levá-las adiante por conta do golpe militar. Neste contexto, as reformas agrária, tributária, urbana, educacional e, mais recentemente, a reforma política são temas de disputas e reivindicações que atravessam diferentes grupos sociais e interesses. Sobre esta última, amplos setores da sociedade envolveram-se no plebiscito pela constituinte exclusiva sobre o sistema político em setembro de 2014, demandando diversas alterações cujas principais propostas comentamos a seguir.
a) Financiamento Eleitoral Ideia central: mudança na forma de financiamento eleitoral, impedindo doações realizadas por empresas nas eleições. Esta proposta varia entre a possibilidade de doação apenas de pessoa física com valor máximo estipulado, ideia defendida pela OAB e CNBB, por exemplo, até o financiamento público exclusivo defendido por outros grupos. Busca-se, com isso, impedir que haja predominância do poder econômico sobre o político no processo eleitoral.
 
Críticas: possibilidade de continuar ocorrendo caixa dois no primeiro modelo citado, já que haveria uma empresa poderia doar recursos e o dividir apenas formalmente em vários CPF, o que inviabilizaria o objetivo da proposta. Já no caso do financiamento público exclusivo, a crítica diz que continuaria também a existir captação de recursos privados utilizados na forma de caixa dois, desequilibrando o jogo; além disso, levantam a suspeita de que a divisão dos recursos públicos poderia não ser igualitária e partiria de uma premissa de desvantagem aos competidores.
Nosso entendimento: o financiamento público exclusivo é a melhor solução diante do atual cenário, limitando-se os gastos de campanha ao montante de recursos repassados. Isto levaria a uma diminuição do papel do poder econômico na disputa eleitoral e limitaria os gastos de campanha. É fundamental a existência de uma fiscalização mais proativa em relação ao tamanho e volume de gastos da campanha, verificando não apenas a formalidade das declarações, mas também o conteúdo das campanhas, se estas são ou não compatíveis com os valores recebidos. Se, por um lado, é difícil antecipar as diferentes brechas que possam ser utilizadas inadequadamente, por outro, é possível um aprimoramento do sistema ao longo do tempo. Acreditamos que o financiamento público exclusivo consegue avançar em relação ao atual modelo, que é fortemente baseado numa relação de troca de interesses entre financiadores e financiados. Com isso, seria possível reduzir a força do poder econômico e centrar a disputa em torno da real consistência dos partidos e de seus programas. Em nossa opinião, a proporcionalidade na distribuição dos recursos deve ser mediante o número de filiados, que passariam por um recadastramento amplo. Nesse caso, o uso de recursos públicos – que já ocorre hoje com o fundo partidário e horário eleitoral gratuito de rádio e TV – é uma opção superior do ponto de vista da disputa política de projetos e debates.
b) Lista fechada ou dois turnos para cargos proporcionais:
Ideia central: A lista fechada e as eleições em dois turnos para cargos proporcionais são defendidas por diversos movimentos e mostram um pedido de alteração na forma de escolha dos candidatos. No caso dos dois turnos, o objetivo é incentivar um voto em lista fechada no primeiro turno, ou seja, um voto no partido e seu programa, e a escolha do nominal do candidato seria apenas no segundo turno. Já na lista fechada, vota-se apenas no partido e a escolha do candidato é definida pela lista em convenção partidária, não cabendo ao eleitor escolher nominalmente o candidato proporcional.
Críticas: no caso da lista fechada, os partidos são dominados por líderes que indicarão a ordem da lista, fazendo do jeito deles a escolha de candidatas e candidatos e tirando este poder do eleitorado. Na proposta de dois turnos, critica-se o fato de que a lógica personalista do sistema atual permaneceria inalterada, e muitos candidatos continuariam a fazer campanhas apenas para eles e não para um programa partidário, ou seja, significaria apenas a inclusão de mais uma etapa no processo eleitoral.
Nosso entendimento: A forma como a lista aberta funciona hoje torna quase impossível o financiamento público de campanha, pois na prática milhões de candidatos fariam campanha para si próprio e o controle e distribuição dos recursos públicos seria muito difícil. Outro aspecto negativo do atual modelo é a comum inexistência de uma plataforma legislativa apresentada para população pelos partidos. No geral, candidatos e candidatas se apresentam pessoalmente, vinculados a um partido, mas com ideias próprias e não raro contraditórias com às das legendas em que estão filiados. Acreditamos na importância de uma plataforma para o executivo e uma para o legislativo, assim o debate na sociedade seria partidário e programático. Para que isso seja viabilizado, é imperativo o fim das coligações proporcionais. Concordamos que as estruturas partidárias atuais são viciadas e raramente encontram-se democratizadas, fator fundamental para que se defina uma lista ordenada na qual as pessoas ocupem os cargos que o partido teve acesso pela eleição. Desta maneira, são necessárias medidas de democratização dos partidos e sistemas que permitam a escolha da ordem dos candidatos de forma amplamente debatida. Uma opção é a adoção de prévias com acompanhamento da justiça eleitoral onde todos filiados e filiadas tenham voto, sendo também opcionalmente aberta a sociedade. Cabe ressaltar que, no sistema atual, geralmente se elegem líderes partidários e seus aliados – e raramente qualquer outro filiado, principalmente para cargos de deputado e senador. Essa alteração, portanto, indicaria um grande avanço em relação ao formato vigente.
c) Participação de mulheres:
Ideia central: Aumentar a participação das mulheres, com paridade de gênero nas listas de candidatos.
Crítica: Não deve existir prioridade para homem ou mulher, devendo-se eleger quem receber o maior número de votos.
Nosso entendimento: Embora atualmente já exista a obrigatoriedade de um terço da lista de candidatos ser formada por mulheres, consideramos essa proposta positiva e necessária, pois estimularia uma maior participação das mulheres na vida política, haja vista a brutal desproporção existente. Essa opção, somada ao financiamento público das campanhas, permitiria a participação de um número considerável de mulheres interessadas em eleger-se para um cargo político, mas que, por questões sociais e históricas, possuem maiores dificuldades no acesso aos recursos financeiros para disputar uma eleição. A paridade é vista, assim, como um direito inalienável das mulheres de participarem da vida política em igualdade de condições e oportunidades com os homens.
O funcionamento atual do sistema político tem conseguido se manter, a despeito das reivindicações de importantes segmentos sociais, devido a três fatores primordiais. O primeiro deles é a dificuldade de mudanças no funcionamento de determinadas estruturas do Estado no Brasil, concebidas para perpetuar o status quo, dentre os quais o sistema político-eleitoral é um deles. Outro aspecto a ser considerado é a existência de importantes setores que se beneficiam dessa estrutura e a utilizam para manter seu domínio, especialmente os grandes grupos empresariais. Com capacidade de influência econômica e ideológica, esse empresariado perpetua enormes frações de representantes políticos em suas funções, os quais se utilizam do atual sistema como forma de defender os interesses dos primeiros e, assim, ampliam o relacionamento destes com o poder público como forma de obter ganhos financeiros. Por fim, um terceiro ponto é a dificuldade de formação política e mobilização social forte o suficiente sobre o tema, que possa pressionar de forma decisiva pelas mudanças. Nós consideramos que as manifestações de 2013, apesar de seu caráter difuso, apontam para uma possibilidade, assim como os vários plebiscitos populares.
Deste modo, defendemos como fundamental a reforma política, como uma ampliação democrática no país. Não a encaramos como o remédio para todos os males da política no Brasil, mas como um forte estímulo para aprimoramento de nosso sistema, tornando-o mais representativo e aprofundando o debate de projetos políticos.
(Para conhecer mais sobre o atual sistema, acesse outros dois artigos de Paulo Malerba sobre o tema: "Reforma Política - Parte I e Parte II")

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